domingo, 13 de abril de 2008

Discurso - Orlando VIllas Bôas

Segue um interessante trecho de discurso proferido pelo grande humanista, sertanista e indigenista brasileiro, Orlando Villas Bôas no ano de 1974, quando do recebimento do título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Mato Grosso.

Trabalha de forma muito clara o dramático quadro sócio-ambiental que o Brasil vem atravessando.




“Nos tempos atuais, os que detêm o poder econômico e político, agindo como homens práticos, julgam-se habilitados a conduzir o mundo para um brilhante futuro. Na concepção de todos eles – ressalvadas algumas exceções – o desenvolvimento material, o progresso conseguido por meio de uma tecnologia cada vez mais refinada e complexa, é suficiente para solucionar todos os problemas da humanidade. E tudo aquilo que se põe a essa ordem de idéias é imediatamente incluído no plano do romantismo e da utopia. Entretanto, enganando-se a si próprio e demonstrando não serem tão pragmáticos como imaginam, procuram não aceitar o fato de que estão impelindo o mundo para aquele destino sombrio, antevisto pelo grande Solzhenitsyn no documento que dirigiu aos líderes de seu país, à humanidade, e a cada um de nós em particular. Nesse documento, o notável humanista incluiu o Brasil entre os raros países que detêm extensas regiões ainda não contaminadas, não comprometidas para a sobrevivência do homem.

Não pretendemos, evidentemente, que seja estancado o nosso desenvolvimento, ou que se regresse a posições já ultrapassadas. Em resumo, não preconizamos o retorno ao coche, ao lampião a gás, ao navio à vela. Continuemos o progresso, mas um progresso verdadeiro, suavizado, que não implique a desumanização do trabalho e do relacionamento entre os povos, as classes e as criaturas entre si.

Por que não animar a fúria presente, essa corrida desenfreada para a conquista de novas riquezas e de poderes ilimitados? Se nessa altura já verificamos que simples ideologias políticas não encerram a solução para os grandes, profundos e os antigos problemas do homem, usemos então o discernimento, os poderosos recursos da ciência e da consciência moral, a fim de atingirmos o ideal a que todos os homens livres aspiram: um padrão de vida em consonância com a dignidade humana. Logicamente, não seria apenas através de uma reformulação das relações entre as criaturas que se poderia alcançar essa estabilidade social. É necessário também – e mesmo imprescindível – que o meio ambiente seja preservado como espaço vital para as gerações que nos sucederão.

Talvez o clarividente Solzhenitsyn não soubesse – quando se referiu ao Brasil – que já estamos resolutamente engajados no desastroso processo da poluição e da criação de novos desertos na face do globo.

Sem levar em conta a imensa desproporção de autoridade e conhecimento que nos distancia do humanista russo, ousamos dizer que estamos no mesmo campo, e que, assim como ele, certamente não seremos ouvidos naquilo que mais nos diz respeito: a defesa de nossas etnias indígenas e das vastas florestas do interior. É oportuno lembrar que , com relação a estas ultimas, não estamos atentando para os erros do passado, cometidos nas regiões mais férteis do país situadas ao sul, e que hoje estão ameaçadas por todas as formas da terrível erosão. Estamos, isso sim, através de projetos apressados, sem defender a terra, transformando em pastagens as áreas mais saudáveis e propícias à agricultura encontráveis no Brasil-Central e Amazônia. E ainda, não menos grave, implantando uma natureza de economia, da qual os futuros ocupantes das referidas áreas não poderão participar.

A civilização tem seus alicerces fundados na contribuição de todos os povos. Através da história temos contribuído de alguma forma. Hoje, nestes difíceis dias por que passa o mundo, ofereçamos um exemplo, um bem superior a todos os demais – construindo um Brasil novo, sem a preocupação de transfomá-lo numa “grande potência” , mas sim num país de ambiência humana.”